terça-feira, 30 de setembro de 2014

0005) Os tradutores de Chandler - 1







Carta de Chandler para Bernice Baumgarten (1950):
Acabo de receber a cópia da tradução italiana de The Little Sister, publicada pela Mondadori. Espero que você tenha uma cópia aí no seu escritório, para dar uma olhada. Aos meus olhos, parece um trabalho dos piores. (...)  Meu italiano, admito, é muito superficial, mas só na primeira página sou capaz de perceber sete ou oito erros – o tipo de erros que sugere que o tradutor pode ter algum inglês de nível colegial, mas não entende nada da linguagem que eu uso. Parecem ser erros de entendimento. Além disso, todo o primeiro parágrafo do livro foi cortado, e há outras omissões no primeiro capítulo.

Na lista de personagens, por exemplo...

Cabe aqui uma explicação, porque leitores mais recentes não devem saber que “Lista de Personagens” era algo que os romances policiais de antigamente obrigatoriamente traziam, entre o índice e o primeiro capítulo: nome, breve descrição de quem é e que função ocupa no livro, e a página em que aparece pela primeira vez.  Muito útil, quando bem feito. Vamos em frente, driblando os spoilers:

... por exemplo, acho idiota dizer que [X] é irmã de [Y]. Isto é algo que não deveria ser revelado antes de ser dito na própria história. Ele diz que o dr. Lagardie ér um funcionário da polícia, juntamente com os dois detetives. Isso deve ser uma total falta de entendimento.  Diz que Ballou é um produtor, em vez de um agente.  A descrição da mosca varejeira azul está toda errada; não faz nem um esforço para traduzir o que eu escrevi. Um “bar” não é um mesmo que uma “drugstore”. Dizer que um elevador “funciona” não quer dizer que está livre. 

Depois da linha “Better try the University Club”, na página 3 do meu livro, aqui está o que o tradutor pôs, em vez do que eu escrevi: “Eu sei que há um par de detetives lá, mas não acho que você teria sucesso em persuadi-los para trabalhar para você.”  Isso, faça-me o favor, pretende ser uma tradução italiana de “I heard they had a couple left over there,” (isto é, cavalheiros) “but I’m not sure they’ll let you handle them.” No fim desse capítulo, eles põem “fechou a porta” onde deveria haver “trancou a porta”.  A coisa inteira é simplesmente ridícula,  E tudo isso em uma coluna, sendo metade numa única página.  Deus sabe o que vem pela frente.

Chandler era famoso pela sua ranzinzice, e nunca poupava reclamações quando alguma coisa não lhe agradava. Julian Symons disse uma vez: “Ele se ressentia enormemente de qualquer crítica negativa, embora estivesse sempre pronto a fazê-las a respeito de alguém.”

Os erros que ele aponta são os errinhos minúsculos que toda tradução tem em sua primeira versão, quando o tradutor está fazendo o primeiro esboço. O defeito, no caso, é que a tradução provavelmente foi mal revista.  Um bom revisor teria ajeitado isso tudo, ou o próprio tradutor, se tivesse tido um prazo melhor, ou fosse mais bem pago – mas olha só, lá vou eu acampar uma teoria inteira numa suposição.


Não sei quando saíram as primeiras traduções de Chandler no Brasil (eu o li pela primeira vez, na adolescência, nos livros da Colecção Vampiro, da Editora Livros do Brasil, de Lisboa).  A única menção que ele faz a traduções em português é esta, numa carta para Roger Machell (um amigo em Londres), em maio de 1954:
Estou anexando uma carta de um agente literário português em Lisboa, que pode ser do seu interesse.  O único detalhe que me intrigou foi sua afirmação de que leitores portugueses não gostam das traduções brasileiras.  Tenho certeza de que isto é muito provável, uma vez que as línguas sul-americanas devem ter se afastado consideravelmente dos padrões da pátria original.


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