quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

0011) Chandler e o Oscar



O trecho abaixo faz parte de um artigo de março de 1948, publicado em The Atlantic, revista para a qual o Raymond Chandler colaborou algumas vezes.

Fico intrigado com o sistema de votação.  Antes ela era exercida por todos os membros de todos os sindicatos, incluindo até mesmo extras e figurantes. Percebeu-se então que isso conferia um poder de voto excessivo a grupos sem muita importância, de modo que o voto para várias classes de prêmios ficou restrito aos sindicatos que presumivelmente tinham certo conhecimento crítico sobre o assunto.  Evidentemente, isso também não funcionou, e a mudança seguinte consistiu em fazer a indicação ser proposta pelos sindicatos de especialistas, e a votação apenas pelos membros da Academy of Motion Picture Arts and Sciences.



(foto: Ralph Morris, Hollywood Boulevard) 
 Na verdade, parece que não faz muita diferença o modo como se vota.  A qualidade de um trabalho continua a ser avaliada em termos de sucesso. Um trabalho extraordinário num filme que não deu certo não resulta em nada, enquanto que um trabalho rotineiro num filme vencedor acabará atraindo votos.  É tendo como pano de fundo essa adoração do sucesso que a votação se realiza, com a música incidental sendo proporcionada por uma torrente de propaganda nos jornais (que até as pessoas inteligentes leem em Hollywood) planejada para manter longe das cabeças todos os outros filmes que não os que estão sendo divulgados. O efeito psicológico disto é muito grande sobre mentes condicionadas a julgar o mérito exclusivamente pela bilheteria e pelo blá-blá-blá.  Os membros da Academia vivem nessa atmosfera, e são pessoas extremamente sugestionáveis, como são todos os que trabalham em Hollywood.  Se são contratados dos estúdios, fazem-nos sentir que é uma espécie de patriotismo ou espírito de grupo torcer pelos produtos do seu próprio setor.  Eles são informalmente prevenidos de que não devem desperdiçar seus votos,  não apostar em alguém que não tem chances, principalmente se for de outro estúdio qualquer.

Os dirigentes da Academia se preocupam muito em proteger a honestidade e o sigilo da votação.  Isso é feito com o auxílio de votos numerados e anônimos, e esses votos são enviados, não para alguma agência ligada à indústria do cinema, mas para uma conhecida firma de auditoria pública.  Os resultados, em envelopes selados, são levados por um funcionário da firma, diretamente para o palco do teatro onde se realiza a festa, e ali, pela primeira vez, de um em um, os ganhadores são revelados.  Não se pode ter mais precauções do que isto.  Ninguém poderia saber antecipadamente qualquer desses resultados, nem mesmo em Hollywood onde cada agente descobre os segredos mais bem guardados dos estúdios, sem muito esforço aparente.  Se há segredos em Hollywood, o que eu às vezes duvido, essa votação deve ser um deles. 



 (foto: Robert Frank, 1958)



domingo, 1 de fevereiro de 2015

0010) The Long Sleep


Durante este final/começo de ano estive envolvido com projetos de trabalho bem urgentes, prioridade absoluta.  Uma das não-prioridades (leia-se: trabalhos não remunerados) que voltou para o fim da fila foi este blog.  Lamento o hiato, reafirmo a intenção de manter esta bola quicando, e vamos em frente.

Após o lançamento de A Dama do Lago e de O Longo Adeus pela Alfaguara em 2014, estou às voltas com os dois lançamentos de 2015, cujas traduções estão sendo revisadas e discutidas, e cujo material extra começa a ser selecionado.  Os livros de 2015 serão The Big Sleep e Farewell, my Lovely.


O Sono Eterno já está na reta final de produção: tradução e textos revisados, capa escolhida, diagramação final em processo.  No momento, estou às voltas com o material adicional de Farewell, my Lovely (cuja tradução já foi entregue, e está em fase de revisão): estou escrevendo o prefácio, selecionando as cartas que entrarão como apêndice, e já entreguei a tradução de “The simple art of murder”, o artigo clássico de Chandler, que republicaremos nesse volume.


Os três volumes já prontos (os dois primeiros já estão nas livrarias) estão, portanto, organizados assim:

I – A DAMA DO LAGO
1.      Prefácio BT
2.      texto do romance
3.      “Doze anotações sobre a narrativa de mistério”
4.      4 cartas: para Erle Stanley Gardner (29-1-1946), Bernice Baumgarten (11-3-1949, 16-4-1951), H. R. Harwood (2-7-1951).

II – O LONGO ADEUS
1.      Prefácio BT
2.      texto do romance
3.      1 carta (para D. J. Ibberson, 19-4-1951)

III – O SONO ETERNO (a ser lançado em 2015)
1.      Prefácio BT
2.      texto do romance
3.      “Roteiristas em Hollywood” (artigo no Atlantic Monthly sobre o cinema dos estúdios)
4.      Cartas: para Alfred A. Knopf (19-2-1939), Charles W. Morton (15-1-1945), Mrs. Robert Hogan (8-3-1947), Hamish Hamilton (4-9-1950, 28-9-1950), Carl Brandt (15-11-1951), Edward Weeks (27-2-1957)

Chamo a atenção dos leitores para esses textos complementares aos romances. Chandler era um grande escrevedor de cartas, nas quais revela muita coisa de sua personalidade que não pode ser visível na obra de ficção, onde ele, filtrando tudo pela consciência de Philip Marlowe, não pode dar rédea solta a sua visão pouco convencional da literatura, do mercado editorial, do romance policial, etc.

Curiosamente, para quem era tão articulado e verboso, ele produziu relativamente pouco artigos para a imprensa, e nesta série de Alfaguara devemos incluir os mais importantes deles. “Roteiristas em Hollywood”, que virá publicado em O Sono Eterno, é um ataque feroz contra a desvalorização do trabalho do roteirista dentro dos grandes estúdios, o tipo do artigo escrito por quem não tem rabo preso e não tem nada a perder.