segunda-feira, 6 de outubro de 2014

0006) O poder e o dinheiro



Existe uma semelhança espantosa entre a Califórnia de 1940, onde acontecem as aventuras de Philip Marlowe, e o Brasil de 2014.  Política, poder, finanças, corrupção, polícia, drogas, crime, imprensa, mídia ambiente.  A cada capítulo a gente encontra um texto, escrito há mais de 60 anos e em outro país, que parece uma continuação das matérias que acabamos de ler no jornal de hoje.

No capítulo 32 de O Longo Adeus, Philip Marlowe faz uma visita ao milionário Harlan Potter, uma espécie de “Cidadão Kane” local, dono de um império financeiro e de cadeias de jornais. Potter é o ex-sogro de Terry Lennox, o amigo cuja provável morte Marlowe está tentando esclarecer.  O milionário chama o detetive para explicar-lhe que ele está se metendo demais onde não é chamado.
"Nós vivemos no que se chama uma democracia, governada pela maioria do povo.  É um ideal muito bonito, pena que não funciona.  As pessoas elegem, mas é o partido quem nomeia, e as máquinas partidárias, para serem eficientes, precisam consumir muito dinheiro. Alguém tem que lhes dar esse dinheiro, e esse alguém, seja um indivíduo, um grupo financeiro, um sindicato profissional ou qualquer outra coisa, espera algum tipo de consideração em troca.  O que eu e outras pessoas do meu tipo esperamos é que nos deixem viver nossas vidas com decência e privacidade.  Sou proprietário de jornais, mas não gosto deles.  Considero cada um deles uma ameaça permanente ao pouco de privacidade que me resta.  Seu choro constante pedindo liberdade de imprensa significa que, com poucas e honrosas exceções, eles querem liberdade para faturar com escândalos, crimes, sexo, sensacionalismo, ódio, duplos-sentidos, e todos os usos financeiros e políticos da propaganda.  Um jornal é um negócio cujo objetivo é acumular lucros através da renda de publicidade.  Isto vai depender da sua circulação, e o senhor sabe de que fatores a circulação depende.”
Potter é um desses potentados sombrios e vampirescos que Chandler gostava de retratar.  Seus ricos raramente são joviais, extrovertidos, populistas.  O general Sternwood (O Sono Eterno), Mr. Grayle (Farewell, My Lovely), Potter, são todos homens soturnos, sem alegria, repletos de zonas de sombra.

Potter continua:
“Existe algo peculiar acerca do dinheiro,” continuou.  “Em grandes quantidades ele tende a ganhar uma espécie de vida própria, até mesmo uma auto-consciência.  O poder do dinheiro fica muito difícil de controlar.  O homem sempre foi um animal à venda.  O crescimento das populações, o custo enorme das guerras, a pressão incessante dos impostos e seus confiscos... todas essas coisas o tornam cada vez mais venal.  O homem comum está cansado e assustado, e um homem cansado e assustado não pode se dar o luxo de ter ideais. Ele tem que comprar comida para a família.  Em nossa época temos visto um declínio acentuado tanto na moral pública quanto na privada.  Não se pode esperar qualidade de pessoas cuja vida vem sendo submetida à falta de qualidade.  Não se pode esperar qualidade numa produção em massa.  Ela seria indesejável, por fazer as coisas durarem mais tempo.  Assim, no lugar dela coloca-se estilo, que é uma burla comercial destinada a produzir obsolescência artificial.  A indústria de massas não poderia nos vender seus produtos no ano que vem senão fazendo com que o que foi comprado hoje esteja caduco daqui a um ano.  Temos as cozinhas mais brancas e os banheiros mais reluzentes do mundo.  Mas nessa cozinha branca e adorável a dona-de-casa média da América não sabe preparar uma refeição que se possa comer, e o adorável banheiro reluzente serve apenas de receptáculo para desodorantes, laxantes, pílulas para dormir, e todos os produtos desse golpe de vigaristas que se chama indústria dos cosméticos.  Fazemos os mais sofisticados embrulhos do mundo, Sr. Marlowe.  O que vai dentro deles é, em sua maior parte, lixo.”
Qualquer semelhança com o Brasil não é coincidência, é mera continuidade.







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